Quando discutimos a reforma tributária no contexto dos meios de comunicação e em eventos técnicos especializados, o foco frequentemente recai sobre a tributação do consumo, especialmente em relação ao IVA-Dual. O Imposto sobre Bens e Serviços, juntamente com a Contribuição sobre Bens e Serviços, são pontos centrais dessa discussão, abrangendo todas as questões processuais e materiais associadas. De fato, a essência da reforma tributária concentra-se nestes aspectos.
No entanto, neste artigo, meu objetivo é explorar algumas questões que não estão diretamente ligadas a esses temas principais, mas que possivelmente foram incluídas na Emenda Constitucional 132/2023 para aproveitar a disposição favorável do Congresso em alterar o sistema tributário constitucional.
Vou abordar o ponto exclusivo da expansão da base de incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA na reforma tributária) e o aumento das finalidades cobertas pela contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (Cosip). Quero abordar principalmente as nuances e dúvidas em relação a tal.
A inclusão do IPVA na reforma tributária representa uma mudança significativa, ampliando seu escopo de aplicação e potencialmente ajustando o modo como os proprietários de veículos automotores contribuem para a arrecadação tributária. A análise do IPVA na reforma tributária é fundamental para entender as nuances dessa alteração e como ela se encaixa no quadro mais amplo da reforma tributária proposta.
Contexto histórico do IPVA e o STF
Em relação ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a interpretação histórica feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se baseou na antiga taxa rodoviária única, que, apesar de seu nome, não se qualificava como uma taxa devido à sua base de cálculo ser a de um imposto, não era exclusivamente rodoviária já que era devida mesmo por proprietários que não utilizavam rodovias, e não era única porque era cobrada em conjunto com a taxa de licenciamento. Por essas razões, o STF determinou que o IPVA deveria se aplicar somente a veículos terrestres, excluindo embarcações e aeronaves.
A partir dessa interpretação, o STF declarou inconstitucionais as tentativas de estados em tributar a propriedade de embarcações e aeronaves, como lanchas e helicópteros, através do IPVA.
No entanto, com a Emenda Constitucional 132/2023, essa exclusão foi revogada, permitindo expressamente que tais veículos sejam incluídos na base de incidência do IPVA. Essa alteração pode parecer mais retórica ou simbólica devido às várias exceções e imunidades previstas no texto constitucional, mas ainda assim permite a tributação de alguns desses veículos.
É crucial destacar, como intenção principal deste artigo, que a mudança na Constituição por si só não habilita automaticamente os estados e o Distrito Federal a tributar a propriedade de embarcações e aeronaves com base na legislação estadual existente. Será necessário promulgar novas leis estaduais, respeitando todos os princípios constitucionais relevantes, como o princípio da anterioridade, para efetivar essa tributação.
Isso ocorre porque as leis estaduais que previam a incidência do IPVA sobre embarcações e aeronaves antes da EC 132/2023 eram inconstitucionais, conforme reconhecido pelo STF, e não são validadas automaticamente pela adequação subsequente do texto constitucional.
O STF já expressou esse entendimento em situações similares, como na ampliação da base de cálculo da Cofins pela EC 20/1998, que não foi suficiente para validar a tributação de receitas não operacionais, que não se encaixavam no conceito de faturamento, com base em uma lei ordinária anterior.
Em outras palavras caro leitor, já existia a previsão nas Legislações Estaduais de que fosse recolhido o IPVA sobre embarcações e aeronaves, o que ocorre é que por interpretação constitucional o STF entendeu que não poderia ser exigido.
Pois bem, dada a inconstitucionalidade declarada pelo STF em relação a essa exigência, agora, pela Reforma Tributária passa a ser possível a exigência por menção expressa de incidência do IPVA sobre esses bens. Mas por essa previsão não podem ser automaticamente tributados pelos Estados.
Os Estados deverão adotar legislação nova, abordando essa incidência, e essa nova legislação deverá obedecer a anterioridade, ou seja, se aprovada em 2024 só poderá cobrar em 2025.
Outras incertezas do IPVA na Reforma Tributária
Surgem várias dúvidas sobre o recolhimento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA na Reforma Tributária, em casos específicos.
O IPVA como sabemos é Estadual, então como proceder quando o proprietário do veículo é uma pessoa jurídica com múltiplos estabelecimentos pelo país, ou quando esta está localizada no exterior? E no caso de pessoas físicas que possuem mais de uma residência, em qual estado o IPVA deverá ser pago?
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dispensar a necessidade de normas gerais nacionais para o IPVA, baseando-se na simplicidade do registro no Departamento Estadual de Trânsito (Detran), não abrange essas situações mais complexas, deixando um vácuo normativo.
Adicionalmente, um tema menos discutido, mas igualmente importante, é a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), que, com a reforma tributária, pode agora ser direcionada também para o financiamento de serviços de videomonitoramento pelo Poder Público.
Este ponto não diz respeito apenas ao Direito Tributário, mas também à proteção de dados pessoais.
A inclusão dessa possibilidade na Constituição Federal, através do artigo 149-A, alterado pela Emenda Constitucional 132/2023, pode dar a impressão de que o uso de câmeras de vigilância em vias públicas, capazes de reconhecer rostos e placas de veículos para fins de segurança, está constitucionalmente validado. No entanto, essa alteração não foi precedida por um debate necessário sobre privacidade, erros, vieses e outros problemas potenciais associados ao uso dessas tecnologias, apesar da proteção ao direito à privacidade de dados ser explicitamente garantida pela Constituição (artigo 5º, LXXIX).
Não se trata de uma posição contrária ou favorável ao uso de câmeras de videomonitoramento, mas sim de destacar que a redação dada ao artigo 149-A pela EC 132/2023 pode sugerir uma autorização constitucional para seu financiamento e uso, sem que houvesse a devida discussão pública sobre as implicações para a proteção de dados, privacidade e o próprio direito penal. Portanto, ainda é necessário um debate criterioso e regulamentação específica sobre essas questões.
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